Artigo de Conclusão de Curso: REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE LUTO:

ILUSTRAÇÕES E APRENDIZADOS NA SÉRIE ‘A MILLION LITTLE THINGS’

Especialização

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE LUTO: ILUSTRAÇÕES E APRENDIZADOS NA SÉRIE ‘A MILLION LITTLE THINGS’ 

REFLECTIONS ON THE GRIEVING PROCESS: LEARNINGS FROM THE SERIES ‘A MILLION LITTLE THINGS’ 

Ligia Carla Motta de Souza Ponciano ***

Instituto Ânima de Estudos Junguianos – Ribeirão Preto – SP – Brasil 

RESUMO

As perdas são uma parte natural da existência humana, sejam elas concretas ou simbólicas. Diante disso, o luto permeia a vida de todos os seres humanos. No presente artigo, pretende-se ampliar a compreensão sobre o luto por meio da análise da personagem Maggie Bloom, da série “A Million Little Things”. Nesse sentido, este artigo aborda o luto, a morte, a culpa, as reações diante de um diagnóstico de câncer e o simbolismo dos sonhos na perspectiva da psicologia analítica. 

Palavras-Chave: Luto, morte, culpa, sonhos.

ABSTRACT

Symbolic or concrete losses are natural parts of human existence, permeatinghuman life with feelings of bereavement. This article intends to broaden theunderstanding of bereavement through the analysis of Maggie Bloom, a character in the television series A Million Little Things. This article analyzes bereavement,death, survivor’s guilt, reactions to a cancer diagnosis, and the symbolism of dreams from a Jungian perspective.

Keywords: Bereavement, death, survivor’s guilt, dreams 

INTRODUÇÃO

Durante a vida temos inúmeras perdas, mas a morte costuma ser a que mais nos assusta – ter medo dela é bastante comum. Porém, estudar mais sobre o assunto pode fazer com que a morte deixe de ser um tabu e pareça menos distante. Sabemos que isso não diminuirá, necessariamente, a dor que sentimos quando perdemos uma pessoa amada. Dessa forma, estudos nesta área são cada vez mais relevantes a fim de ampliar a compreensão do tema e contribuir para o aperfeiçoamento da prática profissional do psicólogo

Vivemos uma fase de pandemia global, que acelerou o número de óbitos no mundo e, consequentemente, o de enlutados. Despedidas não são mais permitidas;rituais fúnebres estão mais breves e restritos do que nunca; a morte nunca foi tão solitária e presente. Isso tende a gerar ainda mais impacto para os enlutados. É necessário conversar sobre a morte, já que evitá-la não a faz desaparecer. O objetivo desse artigo é abrir espaço para um assunto tão pouco falado, até mesmo nos cursos de graduação de psicologia. 

A morte é uma ruptura, e essa inevitável ideia de finitude sempre fez parte do imaginário humano. Seu rastro é encontrado na poesia, na música, nas artes plásticas e no audiovisual, independentemente da época. (1)

Reflexões interessantes sobre este tema podem ser elaboradas a partir da série televisiva “A Million Little Things”, que permite uma análise profunda a respeito das nossas vidas, dores, alegrias e relações interpessoais, além de uma forte sensibilização com a dor do outro. A obra ficcional retrata personagens realistas, que passam por diferentes formas de luto, abuso sexual, depressão, câncer e alcoolismo, tendo como protagonista Maggie Bloom, uma terapeuta interpretada pela atriz Allison Miller que, ao longo de 3 temporadas, é obrigada a tratar diversos assuntos relacionados ao luto, seja por conta dos eventos da série, seja por conta dos desafios da sua profissão.

A morte e o luto são temas extremamente importantes para o psicólogo, uma vez que são assuntos inevitáveis e permeiam a vida de todos nós. Refletir, sensibilizar e questioná-los é fundamental em uma profissão que trabalha o ser humano e suas relações.

1 A MILLION LITTLE THINGS – SÉRIE TELEVISIVA 

A Million Little Things2 é uma série televisiva norte-americana que se passa na cidade de Boston, retratando as diversas formas de luto, as relações entre seus personagens e a imprevisibilidade da vida diante da morte.

A série tem início com o suicídio de Jon, um investidor do mercado imobiliário, idealizado pelo seu grupo de amigos. Ainda no primeiro episódio, ocorre a apresentação dos demais personagens principais: a viúva de Jon, Delilah; os melhores amigos de Jon, chamados Gary, Ron e Eddie; a esposa de Eddie, Kate; a esposa do amigo Ron, Regina; além, claro, da supracitada psicóloga Maggie, apresentada a este grupo de amigos no funeral de Jon.

Gary é um homem que está em remissão de um câncer de mama e é constantemente invadido pelo medo da doença voltar. Em razão disso, frequenta um grupo de apoio para pessoas que estão enfrentando o mesmo problema que ele. 

Ron é um sobrevivente de suicídio. Apesar de cogitar tirar a própria vida outras vezes, percebe na morte do amigo uma chance de recomeço. Para tanto, busca ajuda psicológica e psiquiátrica para lidar com a depressão. 

Eddie estava decidido a terminar o casamento com sua esposa Kate, pois apaixonou-se por Delilah, com quem viveu um romance enquanto Jon era vivo. Após a morte de Jon, Kate e Eddie retomaram seu relacionamento.

Regina é uma chef de cozinha que sofreu abuso sexual do seu tio na adolescência. Ela é casada com Ron e apoia o marido durante todo o tratamento de depressão. 

Maggie é uma psicóloga clínica que se mudou recentemente para Boston. Elatambém enfrentou um câncer de mama e conhece Gary no grupo de apoio a pessoas com câncer em remissão. 

A série retrata, com sutileza e profundidade, as vivências dos enlutados após a morte inesperada de Jon. Eles percebem a necessidade de transformar a maneira como vivem e de ter consciência de suas limitações, optando por aprofundar as relações e vínculos afetivos.4

1.1 Maggie Bloom

Maggie Bloom, 28 anos, é uma psicóloga clínica especializada em depressão.Aos 22, perdeu seu irmão mais novo, Chad, em um acidente de carro. Ele eradepressivo e fazia uso abusivo de bebidas alcoólicas. Na noite do acidente de Chad, 

Maggie foi ao cinema com os seus amigos e, por isso, culpa-se por não ter evitado a morte do irmão.

Maggie teve câncer de mama duas vezes. Na segunda, a doença foi mais agressiva. Incerta sobre a efetividade da quimioterapia, e ciente dos prejuízos que ela pode proporcionar à sua qualidade de vida, Maggie deseja não realizar o tratamento novamente. Sendo assim, seu o prognóstico é viver relativamente bem por três meses e morrer em até um ano. 

2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE LUTO

O luto é um processo psíquico para elaboração de uma perda. Ele é esperado após o rompimento de um vínculo afetivo com pessoas, animais de estimação ou qualquer outro elo significativo. Portanto, ao falar de luto também estamos falando de amor. Parkes (3) ressalta que o amor é a maior fonte de prazer da vida, assim como a perda de quem se ama é a maior fonte de dor. Portanto, pode-se dizer que o luto é o preço que se paga por amar. 

O luto é um processo dinâmico, único e individual, em que o enlutado vai naturalmente se reorganizando, com oscilações entre a perda e a restauração. Uma vez que os vínculos afetivos e as vivências pessoais são exclusivas para cada ser humano, o luto se torna único. 

Existem várias perdas possíveis, entre simbólicas e concretas, como a de um relacionamento, bens materiais, identidade, saúde, planos e expectativas de futuro,além da morte propriamente dita, seja a nossa ou a de um ente querido.. Neste artigo,o enfoque será na perda concreta pela morte. 

Após uma perda, geralmente se faz necessário realizar algumas mudanças. 

Durante um processo de luto há uma mudança do mundo presumido, e isso atinge todos os aspectos da vida. O enlutado se sente inseguro e vulnerável; a confiança ea autoestima são abaladas. A sensação de que a vida nunca mais será a mesma permanece.. O desejo maior do enlutado é retomar a relação com a pessoa falecida 5 e estar com ela novamente, mas como isso não é possível, é comum que o enlutado se feche para o mundo exterior, o que pode acarretar isolamento social. (4)

O processo de luto não tem como objetivo que o enlutado esqueça a pessoa perdida, mas que ele consiga construir e reorganizar o seu mundo presumido e vivenciar o amor mesmo com a dor e a saudade. O enlutado precisa aprender a viver sem a pessoa falecida, adaptar-se a novos papéis, reconstruir sua identidade e reposicionar simbolicamente o seu ente querido perdido, ressignificar sua conexão com ele e, ao mesmo tempo, investir em novos afetos e interesses.(3)

O enlutado permanece conectado internamente com a pessoa perdida, em sua memória, e externamente, nos objetos deixados e nas histórias contadas. A intensidade dessa conexão pode tornar o processo de luto mais difícil, mas desafios e crises irão permear todas as etapas deste processo.(5)

Uma das perspectivas sobre o luto é o Modelo do Processo Dual de Stroebe e Schut(6), que compreende como as pessoas vivenciam o luto, diferenciando as formas de enfrentamento que as ajudam a lidar com a perda. Pessoas enlutadas oscilam entre o enfrentamento da perda e a necessidade de se reajustar à vida. Esse movimento pendular entre a orientação para perda e a orientação para restauração é dinâmico, não linear e não simultâneo. Tanto a perda quanto a restauração são importantes no processo. O enfrentamento orientado para a perda consiste em entender o que foi perdido e em trabalhar o luto e a dor. Já o enfrentamento orientado para a restauração representa a reorientação e reorganização da vida, apesar da dor. 

Os dois movimentos oscilam: se a pessoa nega um modo de enfrentamento, ou está muito orientada para um deles, pode indicar uma possível complicação do luto.

Outra perspectiva é o luto como processo de construção de significado. A busca e significado é uma necessidade normal do ser humano para compreender o que aconteceu. Ao se perder alguém, constrói-se uma narrativa para a situação, em umatentativa de retomar o controle e a segurança do mundo presumido que foi rompido. Esta atribuição de sentido pode favorecer ou prejudicar o processo de luto. Ao ter a sensação de que o ente perdido teve uma boa vida e aproveitou tudo o que foi possível, constrói-se uma narrativa positiva. Por outro lado, sentimentos negativos de culpa, por exemplo, são aflorados quando se acredita que aquele que se foi ainda tinha muito para fazer e não viveu o suficiente. Além disso, as mortes trágicas geralmente são mais difíceis de construir um significado, seja ele positivo ou negativo.(7)

Para Jung(8), a tristeza de um enlutado está em tentar superar e elaborar o sentimento de dor da perda. Este sentimento pode ser acompanhado de medo, ansiedade, inseguranças, angústias e sentimentos ambivalentes, entre outros. 

A perda é para sempre, mas o luto pode ser encerrado com a adaptação à perda. É importante que o processo de luto evolua, pois trata-se de um processo de longo prazo, e mesmo que ele termine, deve-se lembrar que o enlutado não voltará ao estado anterior ao luto.(3)

O papel do psicólogo no processo de luto é auxiliar o enlutado a perceber como ele entende e se comporta diante do que aconteceu e quais significados foram construídos durante o processo. Também deve ajudar o enlutado a construir recursos internos e externos para se adaptar às mudanças do mundo presumido, para enfrentar a perda e a vida, para ressignificar a relação com o falecido, além de aceitar o luto e a nova realidade e construir significados mais interessantes.

2.1O Luto Complicado 

O luto complicado é um comprometimento ou uma distorção do processo de luto normal. Ele acontece quando as reações são ausentes ou divergem do esperado, envolvendo congelamento e dificuldade de reorganização.(3)

De acordo com Parkes(3) há quatro tipos de luto complicado: luto crônico ou prolongado, luto inibido, luto adiado e luto traumático. 

O luto crônico ocorre quando seu prolongamento é indefinido, com o enfrentamento predominantemente orientado para perda e com pouca oscilação. Já oluto inibido é quando há ausência dos sintomas de luto e seu enfrentamento se volta quase que exclusivamente para a restauração. O luto adiado, por sua vez, acontece quando o enlutado não apresenta reações imediatamente após a perda.. Por fim, o luto traumático é provocado por mortes repentinas, prematuras, violentas e/ou múltiplas.(3)

Eventos potencialmente traumáticos, como a morte de um filho, de um irmão jovem ou por suicídio, rompem ainda mais com o mundo presumido. Caso haja uma incerteza da causa da morte, a construção de uma narrativa sobre ela torna-se mais difícil. Em casos de eventos traumáticos, são esperadas situações como sonhos recorrentes relacionados ao que aconteceu , lembranças espontâneas involuntárias que invadem o enlutado em formato de flashback, uma necessidade de se esquivar de qualquer situação que possa lembrar o trauma e, inclusive, uma dificuldade em falar do evento. O estresse e o trauma interferem no processo de luto, assim como o luto afeta o impacto do trauma.(9)

A persistência de sentimentos de culpa indica que o luto não está sendo elaborado. A culpa intensa pode ser uma construção de significado presente no luto complicado. No início é comum a quase todos os enlutados manifestarem sentimentos de culpa. O enlutado se sente culpado geralmente quando está orientado para restauração e tem medo de esquecer a pessoa falecida. O excesso de culpa pode indicar uma desvalorização de si.(7) Além da culpa, a raiva intensa e prolongada, ansiedade, ataques de pânico, somatizações e ideações suicidas são manifestações comuns no luto complicado.(10)

Para avaliar um luto complicado é preciso observar os fatores de risco e proteção que o enlutado apresenta. Alguns desses fatores são a sua idade, a cultura na qual está inserido, os rituais fúnebres realizados, a vulnerabilidade pessoal do enlutado, as experiências de lutos anteriores, os lutos consecutivos, seu estado desaúde física e mental, a idade do falecido, as circunstâncias da morte, o grau de vínculo com o falecido e a comunicação e dinâmica familiar na qual a pessoa está inserida.(7)

Elaborar o luto não significa esquecer o ente querido, mas sim transformar a relação com a pessoa perdida. No luto complicado não há a transformação dessa relação.(10)

Na série A Million Little Things 2, Maggie apresenta dois processos de luto, um pela perda de sua saúde e o outro pela morte de seu irmão com quem tinha um vínculo afetivo muito intenso. Em relação a Chad, Maggie vivencia um processo de luto complicado decorrente da morte repentina, prematura e traumática do irmão em um acidente de carro. Além disso, sua família apresenta dificuldades de comunicação, principalmente relacionados à sua mãe. O significado que Maggie construiu para essa situação foi de culpa, pois ela acredita que poderia ter evitado a morte do caçula se não tivesse ido ao cinema. Ao atribuir a culpa do acidente para si, Maggie tenta ter um controle sobre a morte do irmão, em um sentimento de onipotência para lidar com algo do qual não se tem controle: a finitude da vida. A morte repentina não permitiu despedidas nem resoluções de pendências.

Ao mesmo tempo, Maggie sente alívio ao ser informada sobre a morte de Chad

- por fazer uso abusivo de álcool e drogas, ela sempre se preocupou com a possibilidade de o irmão machucar alguém ou a si próprio. Esse alívio a faz sentir pior em seu processo de luto, e dificulta a sua reorganização na vida. Ela tem dificuldade de tolerar esses sentimentos ambivalentes a respeito de Chad. No episódio 9 da série (2) ela relata: “Quando eu recebi o telefonema me avisando que o meu irmão morreu, eu senti um alívio, eu não precisava mais ficar checando o meu celular o tempo todo para saber se ele machucou alguém ou a si mesmo, e esse alívio só me faz sentir pior. Tenho tantos sentimentos que não processei, porque estou envergonhada demais para admitir que os tenho. E isso é um luto complicado”. Todas essas questões vivenciadas pela personagem são fatores de risco e manifestações do luto complicado. 

Além disso, Maggie apresenta sonhos recorrentes relacionados à morte do irmão, tem muita dificuldade em falar sobre o assunto com qualquer pessoa e sente um medo extremo de dirigir.

O seu luto pelo câncer é influenciado pelo luto anterior da perda do irmão. Por isso ela tem dificuldade de falar sobre sua doença para a família e amigos, apresenta sentimentos de raiva intensa, rejeita o tratamento e tem uma visão empobrecida de futuro, desejando morrer. 

Como fator de proteção do luto, Maggie tem uma grande rede de apoio entre seus amigos, que transmitem proteção e empatia a ela. Ter isso em seu entorno ajuda no enfrentamento.

3 A MORTE E SEU SIMBOLISMO

De acordo com o dicionário dos símbolos (11), a morte é o fim absoluto de qualquer coisa – seja um ser humano, animal, planta, relacionamento ou saúde. A morte concreta e a morte simbólica indicam o desaparecimento irreversível das coisas e, ao mesmo tempo, introduzem a um novo mundo desconhecido de forte ambivalência. Afinal, a morte abre caminho para uma nova vida, já que ela nos leva a uma nova realidade. Isso porque, tradicionalmente, morrer é visto como algo ruim e angustiante, uma fatalidade irreversível que gera mudanças desconhecidas na forma de existir.

A relação que a humanidade estabelece com o morrer mudou ao longo da história. A morte não é mais encarada de maneira tão próxima como no passado – ela trocou de espaço, deixou as casas e partiu para o hospital e, portanto, está cada vez mais distante da grande massa (12). Alguns séculos atrás, a morte era encarada como algo íntimo e extremamente ritualizado. Já na maioria das sociedades atuais, as pessoas não veem a morte de perto e nem com frequência. Dessa forma a morte se tornou esquecida, selvagem e facilmente reprimida. Houve um distanciamento da morte - que saiu da casa, um lugar da vida cotidiana, e foi para o hospital, lugar racional, formal, técnico e higiênico.(12)

Na sociedade ocidental contemporânea é comum evitar e afastar a ideia da morte. Ela perdeu o sentido de acontecimento natural do ciclo vital e atingiu um significado de fracasso e impotência. Por essa razão é ocultada.(1 )

Para Jung, (13) a vida é um fluir constante e a parada final é esperada. Assim, a morte é o fim natural da existência humana e uma meta que todo indivíduo deverá alcançar. Quando se está próximo de partir, é natural o ser humano refletir sobre algumas questões, como seus valores e o sentido de sua existência. Após a morte permanecem as recordações e os efeitos gerados aos enlutados.(13)

Para a psicologia analítica, a morte não é apenas o oposto à vida - morte e vida estão articuladas e interagem de maneira complementar durante o processo de desenvolvimento do indivíduo. O arquétipo da vida indica o que deve ser mantido. Já a morte muitas vezes é percebida como algo indesejável, negativo e reprimido. O arquétipo da morte não deve ser entendido apenas pelo seu lado negativo de perdas, mas também pela perspectiva da transformação que influencia o processo de individuação.(14)

O arquétipo da morte pode ser formado de maneira traumática e repentina, por meio de doenças ou acidentes, influenciando o processo existencial e de individuação. Quando não ocorre a elaboração do arquétipo de morte poderá ocorrer a formação da sombra.(14)

Os arquétipos, uma ideia importante na teoria de Jung, são elementos autônomos da psique inconsciente e podem se manifestar tanto no inconsciente coletivo quanto no individual. Os arquétipos são possibilidades herdadas de ideias, formas sem conteúdo próprio que o indivíduo preenche de acordo com as suas experiências. Eles são representados pelas imagens arquetípicas e formam as estruturas da psique.(16)

Para Jung, (15) na sombra estão presentes conteúdos reprimidos da consciência. Mesmo inconscientes, eles podem ser tanto positivos quanto negativos.

A sombra é um dos primeiros componentes do inconsciente que se revelam durante a análise. Ao se tomar conhecimento, estes conteúdos são integrados à consciência, auxiliando no processo de individuação. O processo de individuação consiste em tornar conscientes conteúdos e processos que ocorrem de maneira inconsciente. Ao reconhecê-los e integrá-los há uma ampliação deste conhecimento para a consciência. Sendo assim, a individuação é um processo pelo qual o ser humano se torna uma unidade autônoma, buscando o autoconhecimento em sua totalidade, realmente individual. É a realização de si mesmo.(15)

Jung (16) divide o conceito de inconsciente em inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. O inconsciente pessoal é formado por vivências e conteúdos pessoais esquecidos ou reprimidos da consciência. Já o inconsciente coletivo é universal, um funcionamento psíquico herdado, constituído das formas primitivas típicas de vivências e comportamentos da espécie humana; ele é praticamente o mesmo para todas as culturas, constituindo o sedimento de toda a vivência humana passada.(16)

A morte concreta é inerente à vida – ao aceitá-la, é possível viver em sua plenitude. Já a morte simbólica transforma o sentido de algo que precisa ser alterado. Ao enxergar a possibilidade da própria morte, é possível ressignificá-la e trazer um novo sentido para a vida.(13)

Para Jung (17), vida e morte são aspectos complementares do desenvolvimento humano, são símbolos de finitude e renascimento. A consciência da finitude é característica da espécie humana, e a construção dessa consciência remete ao fim da vida e aos medos que a complementam. A ausência materna nos primeiros momentos da vida pode ser entendida como a primeira vivência da ideia de morte. 

Neste contexto, a morte é considerada como ausência, separação e perda, levando à consciência desses sentimentos, medos e inseguranças. Na maior parte das sociedades ocidentais contemporâneas não há muito espaço para se falar da morte e do morrer, pois a tendência da sociedade e do sistema econômico vigente é inibir expressões de sentimentos de pesar e os tratar como manifestações de fraqueza. É exigido pela sociedade que o enlutado retorne rapidamente às suas atividades cotidianas. Assim, gradualmente, perdemos a oportunidade de elaborar o símbolo da morte, que deixa de ser considerada um fenômeno natural e passa a ser considerada um fracasso que, dessa forma, deve ser evitado.(18-19)

4 O SENTIMENTO DA CULPA NO PROCESSO DE LUTO 

A culpa é um sentimento denso que se caracteriza como consequência de algo que a pessoa fez ou deixou de fazer. O sentimento de culpa por negligência é penoso, misturando vergonha e receio de punição. Em geral, o indivíduo se torna culpado por aquilo que não deveria se culpar, seja pelo que foi negligenciado no passado ou pela percepção de acabar com a imagem idealizada de si mesmo.(17)

A culpa está ligada ao sentimento de responsabilidade, uma forma de reparação ao se condenar por uma atitude. Ela é voltada para o passado como forma de conter um episódio negativo, uma espécie de punição quando há uma resistência em aceitar a realidade de uma situação. Sendo assim, o sentimento de culpa também é um sentimento de onipotência.(17)

Ao se sentir culpada, a pessoa procura um castigo. Ele é um meio utilizado para aliviar o complexo da culpa, pelo menos temporariamente. Dessa forma, quando a culpa se torna o centro de um processo de luto, ela também acaba ativando os principais problemas de uma pessoa. (20)

A culpa é também um sentimento de falta. Ao se considerar culpado por uma situação pela qual não se teve culpa, ocorre uma espécie de bloqueio da vida. No decorrer do processo de luto é comum a pessoa se sentir culpada. Isso se torna o obstáculo central do processo.(17)

Sentimentos de culpa e autorrecriminação podem surgir a respeito do que poderia ter sido feito ou dito para impedir um desfecho inaceitável, como um recurso para a não solução da questão. (21)

De acordo com Kast, (17) o medo e a agressão estão conectados no sentimento de culpa. Para lidar com este sentimento, a psique estabelece alguns mecanismos de controle, sendo eles a banalização (amenizar a relevância da situação), a justificação (apresentar motivos e razões que levaram à determinada atitude), a busca de bodes expiatórios (projetar a culpa no outro) e os desejos de morte (a pessoa se identifica com a vítima e acredita não ser mais digna da vida). Pode-se considerar a culpa como uma luta intrapessoal, ou seja, a pessoa ataca a si própria e é vítima dessa agressão. 

Frequentemente, quando há muitos sentimentos de culpa, o indivíduo não consegue lidar de maneira empática com si próprio, podendo agir, portanto, de formaautodestrutiva. Porém, o reconhecimento e ressignificação deste sentimento possibilita a busca de uma solução e de mudanças positivas.(17)

Maggie, no nosso caso, se sente aliviada com a morte do irmão por saber que ele não irá machucar mais ninguém. Contudo, ela apresenta sentimentos de culpa em virtude deste alívio. Racionalmente, as pessoas sabem que a morte é inevitável, entretanto, há uma responsabilização e culpa sobre a morte do outro, uma fantasia de que a morte poderia ser evitada, quando na verdade o enlutado é impotente em relação a isso. (19)

5 O PROCESSO DE LUTO DIANTE DO DIAGNÓSTICO DE CÂNCER

Ainda nos dias atuais o câncer é considerado uma sentença de morte – o tratamento pode ser muitas vezes pior do que a doença. Eles são invasivos: exames, transfusões, injeções, tubos e cateteres, em geral com uma grande preocupação com o corpo biológico e não com o indivíduo completo, seus sentimentos, sensações, desejos e expectativas.(19)

De acordo com Kubler-Ross22 existem cinco estágios no processo de morrer, que podem acontecer no próprio processo de luto ou ao receber um diagnóstico de uma doença grave. As fases desse processo, segundo a psiquiatra, são: negação e isolamento; raiva; barganha; depressão e aceitação. Tais fases não são obrigatórias para todos os indivíduos e nem sempre são sequenciais. 

A negação e isolamento, normalmente, ocorrem em um primeiro momento, quando é dada a notícia ao paciente. Em geral, a negação é substituída por sentimentos de raiva, que estão relacionados a sentimentos de impotência e falta de controle. A barganha pode estar ligada a sentimentos de culpa em relação ao surgimento da doença e, por essa razão, nessa etapa o paciente negocia, faz promessas para ser uma pessoa melhor visando ter mais tempo de vida. A depressão aparece quando se percebe sentimentos de perda - perda do corpo, do emprego, de amigos, da família e de experiências de lazer que não podem mais ser vivenciadas como antes. E, por último, a aceitação: após superar todos os estágios anteriores há uma aceitação do paciente a sua nova condição. É um momento de relativa tranquilidade. É importante facilitar a expressão desses sentimentos de um novo corpo e um novo estilo de vida, o processo de adoecimento é difícil e o paciente lida com muitas perdas - e perdas de qualquer tipo frequentemente são frustrantes. (22)

Em casos de pacientes com câncer, ou outras doenças graves, o processo de luto não inicia no momento da morte concreta, mas sim quando as pessoas percebem que a morte é inevitável.19 Kovacs19 cita em seu livro “Morte e Desenvolvimento Humano” alguns estudos com pacientes terminais que revelam o medo da morte como um sentimento menos intenso do que o medo da separação, isolamento, abandono e perdas de situações prazerosas.

De acordo com Carvalho (23) os estados emocionais de uma pessoa possivelmente estão relacionados com o aparecimento de algumas doenças orgânicas, inclusive o câncer. Alguns autores citados por ele se referem ao câncer como uma doença psicossomática e associam o seu desenvolvimento a condições psicológicas, como luto, depressão, ansiedade, baixo suporte da rede de apoio, entre outros.

Carvalho (23) cita alguns estudos na área, como o impacto do apoio social e a intervenção psicológica em pacientes com câncer, os efeitos do luto em familiares e como estados emocionais podem afetar células normais e transformá-las em células cancerosas. Com isso foram identificados alguns fatores de risco psicossocial para o surgimento do câncer: estresse, traços de personalidade e hábitos pessoais. Estudos nessa área ainda são contraditórios, pois existe uma multiplicidade de fatores que interferem no surgimento e avanço do câncer; portanto, ainda é complicado confirmar essa influência. Os estudos sobre estresse são realizados de duas formas principais. 

Uma delas é feita com animais de laboratório, analisando o crescimento de tumores após situações de estresse. Outra se baseia em estudos com seres humanos analisando o impacto emocional diante de situações naturais. Alguns estudos com animais indicam que o estresse é responsável pelo crescimento de tumores, mas não pelo surgimento deles. Já outros estudos com seres humanos categorizaram e escalaram os eventos estressantes que podem variar de intensidade para cada pessoa, incluindo problemas financeiros, morte de alguém próximo, divórcio, gravidez, entre outros. Os estudos mostraram que esses eventos apresentam relação com alterações bioquímicas e do sistema imunológico, o que ocasionalmente pode apresentar ligação com surgimento e desenvolvimento do câncer.

Um dos estudos citados por Carvalho (23) analisou os dados psicossociais no momento do diagnóstico de câncer, visando a determinar se fatores de personalidade tinham influência na evolução da doença. Foi possível concluir que o otimismo e o espírito de luta em pacientes operadas de câncer de mama diminuíam as chances de recorrência da doença nos cinco anos seguintes.(14)

O medo da morte e da recaída são frequentes em pacientes de câncer. Após o diagnóstico é importante estabelecer um canal de expressão para esse medo, e perceber como isso influencia a vida do paciente, suas fantasias, pensamentos e emoções. Historicamente há uma forte ligação entre o câncer e a morte. Fala-se muito pouco sobre a morte, já que é um assunto geralmente evitado nas sociedades ocidentais contemporâneas. Assim, familiares e pacientes com câncer conversam muito pouco sobre isso, o que pode gerar medo e solidão. O medo domina e se estabelece um tabu sobre o assunto.(23)

Em relação aos tratamentos psicoterápicos em pacientes com câncer de mama, Carvalho (23)cita um estudo de Spiegel com duração de 10 anos que demonstrou que as mulheres submetidas à psicoterapia de grupo tiveram uma sobrevida duas vezes maior do que as que receberam apenas o tratamento clínico. O mesmo estudo ainda conclui que a psicoterapia auxiliou na melhora de qualidade de vida e das condições de saúde física.Maggie teve câncer de mama, realizou mastectomia e estava no processo de remissão da doença. Apesar disso, pouco tempo depois ela teve uma recidiva do câncer com metástase, que atingiu os linfonodos e se tornou muito mais agressivo. 

As indicações de tratamento para esse segundo câncer foram quimioterapia, radioterapia e cirurgia, com chances de cura muito pequenas, apesar de ser possível viver com uma certa qualidade por alguns anos. A princípio, ela opta por não realizar nenhum plano de tratamento e o médico a informa que ela terá apenas 3 meses de vida com qualidade. Após esse período os sintomas iriam progredir e ela não viveria mais de um ano.(2)

Maggie fica muito abalada com o diagnóstico, decide não contar a ninguém que seu câncer voltou e a não seguir o plano de tratamento. Isso pode indicar o estágio de negação e isolamento ao segundo diagnóstico da doença. Após esse período, ela questiona porque isso está acontecendo novamente, já que da primeira vez fez todo o plano de tratamento e nada adiantou - o que pode indicar a fase de raiva. Por um tempo, Maggie deseja morrer sem lutar contra a doença. Em uma conversa com o personagem Ron, percebe-se que o seu desejo de não realizar o tratamento de câncer tem uma forte ligação com o seu luto, pelo sentimento de culpa de não conseguir salvar seu irmão, agora não desejando salvar a si mesma, acreditando que não mereça mais viver. A etapa da depressão aparece quando ela percebe a perda do seu orpo saudável, a necessidade de parar de trabalhar, assim como a perda dosmomentos de prazer e lazer. Após todas essas etapas, Maggie opta por realizar o tratamento depois de ressignificar sua relação com seu irmão. Por essa razão, é possível afirmar que Maggie vivenciou a aceitação nesse período e as possíveis perdas de uma pessoa com câncer, optando por iniciar o tratamento.(2)

6 A SIMBOLOGIA DOS SONHOS

Um conceito importante da psicologia junguiana é a interpretação de símbolos, que podem ser expressos por meio de palavras e imagens, sob diferentes interpretações. 

As palavras ou imagens simbólicas representam conceitos com significados incertos. O inconsciente se expressa por símbolos e eles podem estar relacionados com a situação psíquica do indivíduo.(16-24)

Os símbolos estão presentes nos sonhos e em todos os tipos de manifestações psíquicas, assim como pensamentos e sentimentos. Os símbolos podem ser individuais ou coletivos. Entre as representações coletivas é possível considerar, por exemplo, as imagens religiosas. Os sonhos são carregados de símbolos que surgem espontaneamente; no entanto, é impossível entender e interpretar perfeitamente o sonho alheio.(24)

Os sonhos são expressões do inconsciente, carregados de imagens simbólicas que apresentam conteúdos confusos, sem uma ordem lógica. Exibem imagens contraditórias que são de difícil compreensão para os leigos, pois não se assemelham com a vida cotidiana e com eventos conscientes. Exatamente por não fazerem sentido, há uma tendência natural para ignorá-los ou considerá-los confusos. (24)

Dessa forma, o sonho mostra a situação atual da psique sob o ponto de vista do inconsciente, uma vez que é constituído de qualquer coisa que vivenciamos ou experimentamos. Além disso, o sonho procura expressar algo que o ego ainda não conhece ou não compreende e, para isso, usa a linguagem simbólica. O consciente e o inconsciente devem estar interligados para o bem do equilíbrio mental e da saúde fisiológica. Caso haja uma separação, o resultado se manifesta em distúrbios psicológicos. (24-25)

Os sonhos são produtos naturais e espontâneos da psique e possuem independência em relação à consciência. Em vista disso, não é possível manipulá-los.

Os sonhos podem, inclusive, indicar a proximidade da morte, como sonhar com um relógio que para de funcionar ou uma árvore que cai. (26)

Quando o indivíduo confronta algo desconhecido, o inconsciente produz conteúdos simbólicos e arquetípicos. Para Jung26, o inconsciente pode conhecer coisas que não sabemos conscientemente, isso foi denominado por ele de conhecimento absoluto. Os sonhos são interpretados como símbolos de conteúdos psíquicos do sonhador. No caso das pessoas que estão em processo de uma doença física, o sonho traz elementos do inconsciente para se tornarem questões a serem pensadas e tratadas.

No oitavo episódio da série A Million Little Things2 são relatados três sonhos de Maggie, todos envolvendo seu irmão Chad. Estes sonhos trazem à tona a complexidade das questões que Maggie está vivendo, como a morte, o luto e a culpa. 

No primeiro sonho, os dois estão voando em uma pequena aeronave – Chad é o piloto e Maggie está ao seu lado, contemplando o céu azul, muito bonito, uma linda paisagem mesmo estando a três mil metros de altura. Seu irmão dizia que ela se preocupava demais, que lá em cima era muito bom, pois todos os problemas poderiam ser deixados lá embaixo. Então, o tempo começa a fechar. Aparecem muitas nuvenscarregadas no céu, seguidas de vários trovões. Logo depois, inicia-se uma turbulência na aeronave. Nesse momento tenso, Maggie pergunta para o irmão o que poderia fazer para ajudá-lo, dizendo que não conseguiria fazer nada se ele não a permitisse.

Chad pega uma garrafa de uísque e pede para a irmã relaxar, dizendo que estava tudo sob controle. Ela o avisa que precisa ir ao cinema e que vai se atrasar. Chad responde que ninguém a está impedindo e que tudo está bem. Então, a turbulência piora e a aeronave começa a descer bruscamente. Desesperada, Maggie pede para Chad arremeter o avião. Chad, muito tranquilo, continua descendo. Antes da aeronave se chocar com o chão, Maggie acorda angustiada.(2)

No segundo sonho, era Maggie quem pilotava a aeronave e o céu já estava nublado. Chad, ao seu lado, bebia uma garrafa de uísque e segurava um urso de pelúcia. Maggie desliga o piloto automático. O irmão questiona o porquê da atitude. Ela responde que desligou pois eles não estão indo na direção que ela quer. Chad diz que tudo bem, mas que isso seria muito mais difícil do que ela imagina. O avião, então, começa a cair e Maggie não consegue subir a aeronave. Chad pede para ela manter os olhos no horizonte e ligar o piloto automático, mas Maggie se recusa a fazer isso quando, surpreendentemente, Ron aparece dentro da aeronave atrás dos dois,ajudando a personagem a retomar o controlar do avião. Maggie fica espantada com a aparição de Ron no sonho e diz que ele só vai piorar as coisas, que não quer que ele se machuque. Mas Ron responde “estamos juntos nessa!”. Maggie acorda.(2)

É importante citar que, no primeiro episódio da série, (2) Maggie faz uma analogia sobre depressão com um documentário sobre o acidente aéreo de JFK Jr e sua morte. Ela diz: “Você se lembra quando o avião dele caiu? Enfim, Kennedy era um piloto novato. Ele estava voando à noite, e as nuvens apareceram, os instrumentos indicavam qual caminho seguir, mas ele não confiava. A verdade estava na frente dele e ele não conseguia ver. Ele perdeu de vista o horizonte e caiu. Quando percebeu o que estava acontecendo, era tarde demais, ele não conseguiu arremeter. Isso é depressão”.

É interessante a conexão que os sonhos de Maggie fazem com essa cena do primeiro episódio, o avião de JFK Jr, as nuvens, a vista do horizonte e a metáfora com a depressão. 

O terceiro sonho desse episódio segue o mesmo contexto dos anteriores. 

Maggie e Chad estão dentro de uma pequena aeronave, com Maggie no papel de pilota. No entanto, dessa vez está caindo uma grande tempestade. A protagonista pede desculpas ao irmão, pois não consegue controlar o avião e sabe que, por conta disso, os dois morrerão.. Chad conforta a irmã, dizendo que não irão cair, e que ela não poderia ter feito nada naquele momento para salvá-lo. Após essa fala de Chad o céu fica claro, as nuvens somem e o sol aparece. A aeronave volta a subir e Maggie se sente muito aliviada pelos dois estarem bem. Mesmo com tudo tranquilo Chad pega uma mochila, levanta-se da poltrona e diz: “é aqui que eu te deixo”. Abre a porta da aeronave em movimento e salta.(2)

Neste terceiro sonho ocorre um desfecho da narrativa. Vemos que Maggie não teve culpa em relação à morte de Chad e que ela precisa viver sua vida sem ficar presa ao passado e à morte do irmão. Após esse sonho Maggie decide seguir o plano de tratamento para o seu câncer.(2)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O medo da morte é um sentimento que preocupa grande parte dos seres humanos. Uma vez que a psicologia é uma ciência que estuda o ser humano e sua relação com o mundo, a morte e o luto deveriam ser assuntos fundamentais na prática profissional. 

O processo de luto inclui diferentes situações além da perda pela morte de pessoas significativas, como o término de relacionamentos, a perda de um emprego, um processo de adoecimento, maternidade, aposentadoria, entre outros. Pequenos processos de mudanças podem ser vividos como perdas, trazendo a mudança de uma situação conhecida para uma situação nova.

O desconhecido pode gerar ansiedades e medos. Neste contexto, o psicólogo deve acolher, realizar escuta ativa e perceber as necessidades do outro.

O processo de luto é uma tarefa de transformar o amor que era compartilhado entre duas pessoas, para que ele possa ser vivido por quem fica. O amor continua, mas a relação é transformada para se adaptar à situação atual, sem a presença física do outro. 

A morte e o luto, apesar de permearem o ser humano e sua relação com o mundo, ainda são assuntos considerados tabus e pouco debatidos, inclusive nos cursos universitários de psicologia. 

Este artigo buscou trazer questionamentos e reflexões sobre o luto que são importantes para a formação do psicólogo, por meio de ilustrações com uma personagem e análises de argumentos junguianos e de perspectivas teóricas relacionadas.

 

REFERÊNCIAS

1- Magalhães GP, Gonçalves GR, Sawaguchi G, Taba S, Faria DL de. Redes da vida: uma leitura junguiana sobre o envelhecimento e a morte. Rev Temática Kairós Gerontologia. 2012;15(4): 133-160.

2- A Million Little Things [série de TV]. Boston: ABC; 26 de setembro de 2018.

3- Parkes CM. Amor e perda: raízes do luto e suas complicações. São Paulo: Summus; 2009. 19

4- Parkes CM. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus; 1998.

5- Neimeyer RA, Gillies J, Milman E. Grief and Meaning Reconstruction Inventory. In Neimeyer RA. Techniques of grief therapy: Assessment and intervention. New York: Routledge; 2016. p. 59-64.

6- Stroebe M, Schut H. The Dual Process Model of Coping with Bereavement:Rationale and description. Netherlands: Death Studies; 1999.

7- Mazorra L. A construção de significados atribuídos à morte de um entequerido e o processo de luto. (Tese deoutorado em Psicologia Clínica). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2009.

8- Fidélis VC. A morte na visão de C. G. Jung, e a importância de sua teoria para a leitura simbólica das doenças psicossomáticas. Escudeiro A, organizador. Reflexões sobre morte e perda. Fortaleza: LC; 2008. p. 173-183

9- Casellato G, Franco MHP, Mazorra L, Tinoco V. Luto complicado: considerações para a prática. Santos F, organizador. A arte de morrer: visões plurais. 2 ed. São Paulo: Comenius; 2009. p. 85-101

10- Franco MHP. Luto: a morte do outro em si. In: Franco MHP, et al. Vida e morte: laços da existência, 2ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2011. p. 99-119. 

11- Chevalier J, Gheerbrant A. Dicionário dos símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números, 33 ed. Silva VC et al, tradutor. Rio de Janeiro: José Olympio; 2019 

12- Ariès P. A história da morte no ocidente: da idade média aos nossos dias. Rio de Janeiro: Ediouro; 2003.

13- Jung CG. A natureza da psique. 5 ed. Rocha PDMR, tradutor. Petrópolis: Vozes; 1971. 

14- Byington CAB. O arquétipo da vida e da morte: um estudo da Psicologia Simbólica Junguiana. Rev da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. 2019; 37(1): 175-200.

15- Jung, CG. Ab-reação, análise dos sonhos, transferência. 6 ed. Petrópolis:Vozes, 1971/2007. 

16- Jacobi J. Complexo, Arquétipo e Símbolo. 10 ed. São Paulo: Cultrix; 1995.

17- Kast V. A Dinamica dos símbolos: fundamentos da psicoterapia juguiana. Mota MC, tradutor. São Paulo: Loyola; 1997.20

18- Freitas LV. O ser humano: entre a vida e a morte visão da psicologia analítica. Kovacs MJ, coordenadora. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1992. p. 111 – 141. 

19- Kovacs MJ. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1992

20- Hall N. Introdução à psicologia junguiana. São Paulo: Cultrix; 2000

21- Pacheco B. Memorias, sonhos e símbolos de um processo de luto. (Dissertação de Mestrado em psicologia clínica). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2011.

22- Kubler-Ross E. Sobre a morte e o Morrer. Menezes P, tradutor. São Paulo: Martins Fontes; 1969

23- Carvalho VA de. Atendimento psicossocial a pacientes de câncer: relato de uma experiência. Kovacs MJ, coordenadora. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1992. p. 204 – 225. 

24- Jung CG. Chegando ao inconsciente. In: JUNG CG, et al. O homem e seus símbolos. Pinho ML, tradutor. 3 ed. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2016. p. 18-131.

25- Jung CG. Fundamentos da psicologia analítica. Elman A, tradutor. 12 ed. Petrópolis: Vozes; 1985.

26- Von Franz ML. Os sonhos e a morte: uma interpretação junguiana. Gambini R, tradutor. 10 ed. São Paulo: Cultrix; 1995.

 

* A autora agradece a colaboração e as orientações da Prof.ª. Dr.ª Graça Mota Figueiredo da Faculdade de Medicina de Itajubá - MG

** E-mail: ligiamotta.s@gmail.com

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