Artigo de Conclusão de Curso: A IMPORTÂNCIA DO SACRIFÍCIO NO PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO:

Influência da Sociedade Brasileira atual sobre o(a) brasileiro(a) no exercício do sacrifício

Individuação

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivos observar a importância do sacrifício no processo de individuação do ser humano; analisar se é possível a individuação sem o exercício do sacrifício; e, ainda, verificar a influência da Sociedade Brasileira atual sobre o(a) brasileiro(a) na prática do sacrifício. Faz parte, também, dos objetivos do presente trabalho a dissertação sobre o processo de individuação e do sacrifício na visão da Psicologia Analítica. O método utilizado foi o da pesquisa bibliográfica, utilizando as Obras Completas de Jung, outros autores afins e artigos específicos referentes ao assunto, dando embasamento à pesquisadora naquilo que ela se propôs. A pesquisadora, em função da interpretação e reflexão dos fundamentos da Psicologia Analítica e dos estudos sobre a Sociedade Brasileira atual, pôde averiguar que sem o exercício do sacrifício não há processo de individuação e, que a Sociedade Brasileira atual tem, por meio de sua cultura, tradições, valores e convenções sociais, influência sobre o comportamento dos brasileiros e, por isso, ela interfere na prática do sacrifício.

Palavras-chave: processo de individuação, sacrifício, Sociedade Brasileira.

 

INTRODUÇÃO

Este trabalho tece algumas reflexões sobre a importância do sacrifício no processo de individuação e as influências que a Sociedade Brasileira atual exerce sobre o(a) brasileiro(a) no exercício do sacrifício. O interesse da pesquisadora sobre o referido assunto originou-se de pressupostos teóricos da Psicologia Analítica; isto porque essa teoria tem como objetivo central a individuação do ser humano, ou seja, sua transformação e sua completude e, para isso ocorrer, haverá necessidade de sacrifícios e renúncias do indivíduo. Também, argumenta sobre o papel da sociedade na vida do ser humano, o poder que ela exerce sobre ele, em função da cultura, da tradição e convenções sociais.

Como a Psicologia Analítica tem um olhar especial para essa problemática; a pesquisadora propôs-se, baseada nas Obras Completas de Jung, de outros autores afins e artigos referentes ao assunto, escrever sobre o tema. E o método utilizado para a realização deste trabalho foi o da pesquisa bibliográfica.

Este trabalho tem como objetivos, analisar o papel que o sacrifício desempenha no processo de individuação do ser humano; verificar se há possibilidade de o indivíduo transformar-se, aperfeiçoar-se sem o exercício do mesmo. É, também, seu objetivo, demonstrar se há influência da Sociedade Brasileira sobre o(a) brasileiro(a) no exercício do sacrifício. Pretende, ainda, dissertar sobre o significado de processo de individuação e de sacrifício na visão da Psicologia Analítica.

MATERIAL E MÉTODOS

Para realizar o presente trabalho, a pesquisadora utilizou da pesquisa bibliográfica. A escolha desse tipo de método deu-se pelo interesse da pesquisadora em verificar a relação entre processo de individuação, sacrifício e sociedade, sob o ponto de vista da Psicologia Analítica. Para isso a pesquisadora buscou nas Obras Completas de Jung e de outros autores afins e artigos referentes ao assunto.

A pesquisa bibliográfica proporciona contato direto com todo o material necessário e pertinente ao tema proposto (1). “A pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em artigos, livros, dissertações e teses. Pode ser realizada independentemente ou como parte da pesquisa descritiva ou experimental” (2).

PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO

Para que o processo de individuação ocorra, é necessária a integração do inconsciente e consciente, que são os elementos estruturantes da psique humana. Se essa integração não ocorrer, o processo de individuação fica prejudicado, isto porque acontece a unilateralidade, ou seja, o predomínio de um ou de outro, provocando o desequilíbrio. A integração do inconsciente com o consciente não é algo mecânico ou complementar, mas uma atitude compensatória de equilíbrio. A importância da integração inconsciente e consciente para o processo de individuação está no que a transformação do indivíduo não ocorre somente pela razão, mas principalmente “naquilo que está em potencial dentro dele. [...] nas trevas do inconsciente está escondido um tesouro, a preciosidade dificilmente alcançada, [...] que é caracterizada como pérola”. Quando o tesouro é encontrado, o indivíduo sai dessa introversão, fecundado, motivado, reconcebido e se transforma (3).

Embora o perigo seja real para o ego, a dualidade inconsciente/consciente é fundamental para o desenvolvimento humano. Isto porque, para que a energia psíquica ou libido circule propiciando o movimento entre o que está latente e o que está explícito conscientemente provocando uma nova realidade psíquica, é preciso que ocorra a produção de uma tensão entre os contrários. Para não se sentenciar à estagnação, à obstrução ou à petrificação, o consciente procura, quiçá sem compreender, o seu inconsciente. “É no oposto que acende a chama da vida” (4).

A oposição existente entre inconsciente e consciente está nos conteúdos que fazem parte de cada um. A consciência estrutura o ego para que este estabeleça vínculo com o mundo interno do indivíduo e o seu mundo externo (5). A razão, o intelecto, o racional são funções do ego (4). Ao ego cabe fazer todos os esforços necessários para a adaptação ao ambiente (6).

Quanto ao inconsciente, ele é composto do inconsciente pessoal e do inconsciente coletivo. No inconsciente pessoal encontram-se conteúdos referentes às experiências pessoais que foram vivenciadas conscientemente e perderam a energia necessária para permanecerem na luz da consciência; estão ali, ainda, lembranças e vivências desagradáveis e dolorosas, os chamados conteúdos reprimidos, recalcados (7). E, também, as percepções que não atravessaram o limiar da consciência e conteúdos ainda não amadurecidos para serem percebidos pela consciência (4).  O          inconsciente coletivo “é a camada mais profunda do inconsciente, onde jazem adormecidas as imagens humanas universais e originárias, que são denominadas arquétipos”. O inconsciente coletivo não está ligado ao inconsciente pessoal, ele é universal. Isso significa que os seus conteúdos podem ser encontrados em todos os indivíduos (4).

Os arquétipos ou imagens primordiais são ao mesmo tempo sentimento e pensamento. “São sedimentos de experiências constantemente revividas pela humanidade” (4). Eles apresentam-se de uma maneira incrivelmente idêntica em todos os indivíduos. Os arquétipos influenciam o desenvolvimento da personalidade consciente dos indivíduos. Porém, na assimilação destes arquétipos pelo ego, podem ocorrer distorções, se o indivíduo não compreender que esses aspectos pertencem à psique coletiva e não às suas conquistas pessoais. Quando o indivíduo acolhe esses conteúdos como sendo seus, atua de maneira inflacionada, podendo perder-se por completo (8).

É do inconsciente coletivo que flui a persona; ela é uma máscara utilizada pelo indivíduo e, por meio dela, procura convencer aos outros e a si próprio de ser possuidor de uma personalidade que representa uma imagem ideal, aceita e valorizada pela sociedade. O indivíduo desejando ser o que aparenta, renega-se, e perde-se da sua essência, podendo adoecer. A persona não representa a realidade, apenas um compromisso entre o indivíduo e a sociedade, acerca daquilo que pode identificá-lo como um cidadão; é uma aparência, em que a individualidade não se manifesta (8).

O inconsciente coletivo é constituído, também, da anima. Ela é a imagem da mulher no inconsciente do homem, e por meio dela pode o homem compreender a natureza feminina. A anima, sendo feminina, é a imagem compensadora da consciência masculina. Como a anima está presente no inconsciente coletivo do homem; na mulher está presente o animus que “é uma espécie de sedimento de todas as experiências ancestrais na mulher em relação ao homem. Da mesma maneira que a anima é um arquétipo compensador no homem, assim é também o animus para a mulher (8).

Constituem-se, igualmente, como conteúdos do inconsciente coletivo, o arquétipo materno e o arquétipo paterno, que possuem uma variedade incalculável de aspectos. Entre os aspectos essenciais do arquétipo materno estão a bondade nutritiva e cuidadosa e sua obscuridade. Por ser a figura da mãe um arquétipo e o que ela representa ser universal, a vivência desse arquétipo varia de acordo com o indivíduo (9). O arquétipo paterno, que vive no íntimo do ser humano, se apresenta por uma imagem que traduz um princípio dinâmico, de autoridade, dever, responsabilidade. O arquétipo do pai representa a lei (10).

O arquétipo da criança, outro elemento primordial, representa o “aspecto pré-consciente da infância da alma coletiva”. A função desse arquétipo é compensar uma consciência voltada exclusivamente para a racionalidade, impedindo-a de desviar-se “das leis e raízes do seu ser”. Outro aspecto desse arquétipo é o caráter do futuro. Ele representa o fluxo da vida, a realização e transformação (9).

A sombra, da mesma forma, faz parte do coletivo que permeia a humanidade. Ela traduz conteúdos pueris, inferiores, coletivos, que dão origem à sombra individual. Os componentes de caráter da sombra são considerados como falhas, defeitos, pelo ego. Porém, nela se escondem, também, conteúdos importantes para o desenvolvimento do ser humano (9).

Si-mesmo é o arquétipo da totalidade psíquica. Situa-se para além dos limites individuais. É, ao mesmo tempo, unidade e totalidade, cujo símbolo é a imagem de Deus, “pois os enunciados universais acerca de Deus estão em nós e acima de nós”. O Si-mesmo traz consigo aquilo que o indivíduo é, mas ainda não sabe que é, mas precisa saber, pois caso contrário ele não alcançará sua transformação (9). O Si-mesmo é o centro condutor da psique humana, ele dá a direção para onde move o fluxo da vida (7).

Todos esses arquétipos estão na obscuridade da psique humana. São complexos autônomos, que têm vida própria e quando não reconhecidos pelo ego, impedem o desenvolvimento da personalidade, com possibilidades de destruir o indivíduo (8).

O inconsciente é uma realidade em potencial. Nele estão contidas todas as ações que o indivíduo irá realizar. O seu futuro e todas as suas possibilidades de desenvolvimento (9).

Portanto, para que o indivíduo desenvolva-se, progrida, é necessário o confronto do consciente com o inconsciente, em um processo de envolvimento e integração de ambos e que resulte em uma síntese, ou seja, a transformação da personalidade individual (11). Esta transformação da personalidade amplia a consciência. O indivíduo encontra-se face a face consigo mesmo, vivenciando conflitos e desafios, pois é a partir dessa experiência que conhece sobre si próprio, despertando sentimentos insuportáveis, isto porque tem que lidar com aquilo que é seu e não pode negar (12). E isto é o processo de individuação. Como pode perceber-se, a individuação não acontece de forma suave e prazerosa. O caminho que o indivíduo tem de construir e percorrer não é constituído de uma reta; para chegar à meta, os desvios e os extravios da vida obrigam-no a viver experiências que o desafiam e o colocam à prova em todo o momento. Para encontrar-se consigo, conquistar a totalidade, é preciso viver os opostos, conscientizar-se deles e aceitá-los (9).

O encontro harmonioso e sábio entre o inconsciente e consciente é necessário, senão o indivíduo dobrar-se-á à unilateralidade, “caindo da aptidão na inaptidão, da adaptabilidade na inadaptabilidade, da sensatez na insensatez e mesmo da racionalidade na loucura”. Por isso, é preciso que o indivíduo reconheça que o inconsciente é fator tão estruturante e determinante quanto o é a consciência para a psique. Assim, ele vive as condições determinadas pelo inconsciente e consciente o mais amplamente possível, e, então, o ego deixará de achar-se o centro da consciência. O centro estará entre o inconsciente e consciente, ou seja, o Si-mesmo, e uma nova personalidade superior nascerá livre e desapegada do mundo, produzindo uma ação curativa sobre o indivíduo (13). “É como se um rio, que antes se perdesse em braços secundários e pantanosos, repentinamente descobrisse o seu verdadeiro leito. [...] uma pedra colocada sobre uma semente a germinar; tirada a pedra, o broto retorna seu crescimento normal” (14).

O processo de individuação proporciona à pessoa consciência de sua individualidade. Quanto mais consciente, pressupõe-se que sua diferença em relação aos outros se torne mais marcante, o que possibilita libertar-se das expectativas comuns; não sente necessidade de ser igual aos outros. Outro aspecto a ser observado no processo está no seu comportamento, nas suas ações; eles deixam de ser coletivos, para serem subjetivos (15). E assim, o indivíduo alcança sua inteireza, cuja consciência transcende, chegando à meta da vida, que é realizar a síntese do Si-mesmo (9). Compreende, também, que é de sua responsabilidade criar novos valores efetivos que possam representá-lo na sociedade, pois já não mais pertence ao mundo externo, e que esses valores colaborem para o progresso e amadurecimento da sociedade em que vive (16).

Entretanto o processo de individuação constitui a grande luta do indivíduo contra si próprio, pois ele tem que combater sua natureza, cujo poder o subjuga. A natureza requer a permanência do indivíduo no mundo infantil inconsciente, onde não haja dúvidas, problemas, que a vida seja simples, segura e tranqüila. Enquanto que individuar-se é tomar consciência de si mesmo, de sua existência e arcar com todas as conseqüências decorrentes desse processo (15). Individuar-se é, portanto, “um trabalho contra a natureza, pois significa sempre vencer obstáculos, sair da acomodação do lugar supostamente confortável, enfrentar rompimentos” (17). Porém, o homem não se impõe voluntariamente a esse suplício, é uma condição arquetípica, é o seu inconsciente coletivo que o atrai, é a vontade do Si-mesmo que prevalece (3). 

SACRIFÍCIO

Todos os conteúdos psíquicos têm suas particularidades de inferioridade e superioridade. É essa ambigüidade o grande embate a ser vivenciado pelo indivíduo, para alcançar sua totalidade e tornar-se um ser indivisível, um todo. Devido a essa ambigüidade, a jornada do indivíduo torna-se uma “via crucis”, pois muitas quedas ocorrerão, devido ao peso que deve carregar. Peso esse representante das forças, energias opostas, que atuam de maneira inconsciente, podendo o homem tornar-se um joguete entre elas. E o inconsciente é dotado dessas forças poderosas, que podem dominar o indivíduo. Para que o indivíduo não se perca no inconsciente, mas, sim, desperte para a vida, é crucial que tenha consciência de suas dificuldades, e assim sendo, ele evitará um sofrimento desconhecido, aliviando-se da aflição que acarretaria em angústia e tormentos inconscientes (3).

Na mitologia grega encontram-se dois mitos que representam a façanha de viver a vida, enfrentando os desafios e sofrimentos. Prometeu enfrentou a ira de Zeus para seguir seus sentimentos e Quíron venceu o abandono de sua mãe, tornando-se um ser sábio e generoso. Eles não fugiram do seu destino. Eles simbolizam, também, o movimento de introversão e extroversão. Introversão, quando eles voltam para dentro de si mesmos e encontram a força secreta e irresistível para mergulharem plenamente na vida (17). Quanto ao movimento de extroversão, ele acontece quando transformados, voltam-se para o mundo externo e cujas ações são de solidariedade com o todo. Essas ações exigem o máximo de coragem e renúncia, porque tiveram que vencer a si próprio, nos seus desejos instintivos e animalescos. Tiveram que sacrificar uma parte de si mesmo (3).

 O sacrifício e a renúncia exigem um proceder heróico, pois a transformação individual provoca dor, sofrimento. É o indivíduo o “argueiro”, que lança as flechas contra si, para que elas rasguem os desejos que o impregnam. A tortura e o sofrimento que afligem o homem, não estão fora dele, mas nele próprio; ele é, ao mesmo tempo, o sacrificador e o sacrificado. Isto significa que o conflito entre os opostos é vivenciado, compreendido, resultando na integração dos mesmos (3).

Essa experiência possibilita ao indivíduo vivenciar a morte simbólica, ou seja, já não é mais o que era; um novo ser renasce. Daí sua compreensão de que a dor faz parte de seu processo de crescimento e desenvolvimento. “Quando esse fenômeno acontece, morremos para a condição de termos dores e nascemos para a condição de sermos dores” (17). É no autossacrifício que o ser humano alcança suas realidades inconscientes, integra o Si-mesmo, conquista sua inteireza (18). O indivíduo celebra a “coniunctio”, isto é, conquista sua totalidade. “Escolheu ser livre e isso implica buscar o caminho da individuação, tornar-se um com o Self”. Se o autossacrifício não ocorrer, toda essa experiência torna-se um sofrimento insuportável; o indivíduo não reconhece sua identidade, que é considerada um corpo estranho, por conseguinte não é integrada à sua totalidade (17). “Uma dor física pode significar uma dor espiritual não vivida, não sentida e, portanto, reprimida” (3).

O medo da vida, do mundo, paralisa a libido de prosseguir o curso natural da vida. Então o indivíduo recua-se e esconde-se no mundo familiar, onde tudo lhe é concedido, isentando-o de responsabilidades. Porém não é assim que a natureza funciona, pois “a vida chama o indivíduo para a independência, e quem não atender a este chamado, por comodidade e temor infantis, está ameaçado de neurose”. O sacrifício requer do indivíduo uma postura madura, pois ele “significa [...] renúncia de todos os vínculos e restrições do tempo da infância que a alma trouxe para a idade adulta”. O papel desempenhado pelo sacrifício é exatamente o de exigir que a pessoa renuncie ao conforto do lar, para viver o mundo externo e cumprir integralmente sua predestinação (3). 

Para alcançar essa conquista, o indivíduo precisa compreender que as mudanças são necessárias. Mudança significa deixar para trás toda uma vida de glória, de certeza e de realizações e mergulhar no incerto, no obscuro; é abandonar uma vida de paz para penetrar no turbilhão. Se deixar-se tomar pelo medo, o indivíduo debilita-se, imobiliza-se, prejudicando o seu desenvolvimento. A vida é um constante movimento, é como o sol, que nasce e morre todos os dias. A cada renascer do sol, um novo dia surge (3).

O indivíduo deve deixar o homem velho morrer para que o homem novo nasça e para que isso aconteça é necessário o autosssacrifício. O sacrifício quando é “feito voluntariamente [...] não significa inversão de todos os valores, destruição de tudo que outrora era sagrado, mas transformação e preservação” (3).

O prêmio para o indivíduo que se resigna à sua fatalidade é a vida, é o renascimento, a realização, o encontro com o Si-mesmo, sua totalidade. Outra conquista adquirida pelo indivíduo é a liberdade. Liberdade essa que possibilita ao indivíduo ser o dono de si próprio; já não é mais dominado pelos afetos e nem pelos instintos, pois os tem sob controle. Isto significa que o homem deve não só domesticar e disciplinar sua “animalidade”, mas também sacrificá-la, com uma renúncia total dela (3). Sacrificar sua condição de animalidade significa renunciar o amor às coisas mundanas, isto é, a fome do poder, a sede de ter, o desejo do prazer desmedido (15). É também sair do seu conservadorismo; vencer seu egoísmo e combater seu individualismo (14). Entretanto o sacrifício não exige a negação do lado animal do ser humano, muito pelo contrário, para sacrificar algo, torna-se necessário ter consciência dele e aceitá-lo como parte sua. O sacrifício requer sensatez, reflexão, ponderação e decisão de escolhas; e ter autocrítica. Destarte, o sacrifício conduz o homem a não negar sua sombra, e sim a compreender que para chegar à sua plenitude, necessita saber “que mesmo seu mais feroz inimigo, não um só, mas um bom número deles, não chega aos pés daquele terrível adversário, ou seja, aquele outro que habita em seu seio (4).

Ao desnudar-se da fantasia que tinha a respeito de si próprio, compreende que possui o bom e o mau como qualquer outro ser humano; dessa conscientização nasce um sentimento de solidariedade para com o mundo. O descortinar do véu que impedia o indivíduo de encarar face a face consigo mesmo, mostra que existe um caminho a ser percorrido; porém para percorrer esse caminho, é necessário ter “boa vontade, seriedade”, não esquivar-se dos obstáculos; é preciso sair “na chuva para molhar-se. [...] deve viver verdadeiramente aquilo que viu e reconheceu como sendo o traçado de sua vida individual até que o inconsciente manifeste uma clara reação se o caminho iniciado é verdadeiro ou falso” (8). Por ser o Si-mesmo o centro organizador e totalizador da psique humana, portanto, o constituinte do inconsciente, é ele que se manifesta, por meio da constelação específica de conteúdos psíquicos necessários, como o orientador nessa trajetória (19).

Isto significa que novos caminhos devem ser trilhados, pois a cada mudança, outra torna necessária; é um caminhar contínuo, pois a “vida tem de ser conquistada sempre e de novo”. O  sacrifício é fator determinante para prosseguir sua jornada, pois o duelo interior é constante entre ficar ou seguir em frente. Porém, as dificuldades têm objetivo de auxiliar o homem no seu processo de adequação; na renovação de sua personalidade e, por conseguinte, em todos os domínios de sua vida. Elas provocam também, o diálogo interior tão importante para o autoconhecimento. O indivíduo para vivenciar tais experiências, dispõe de um fator psíquico, contido no inconsciente, que se deixá-lo vir à tona, em muito contribuirá para o seu ajustamento à vida, é a capacidade criativa. “O homem é distintivamente dotado de capacidade de criar coisas novas no verdadeiro sentido da palavra, justamente da mesma forma como a natureza, no decurso de longos períodos de tempo, consegue produzir novas formas” (15).

Em relação ao desenvolvimento individual e ampliação da consciência, a criatividade auxilia o homem a tornar-se flexível e a aceitar o que é inevitável. É um trabalho árduo e contínuo; e assim, poderá reconhecer de maneira progressiva “que detrás do jogo cruel do destino humano se esconde algo semelhante a um propósito secreto, o qual parece corresponder a um conhecimento superior das leis da vida”. Compreende, a partir dessa experiência, que aquilo que não  espera, que angustia e que é caótico, é responsável pela revelação de um significado profundo da vida (9).

Trata-se de uma luta solitária; o indivíduo não pode contar com ninguém, a não ser somente consigo mesmo. A meta a ser alcançada, através dessa luta solitária, é a integração da consciência e inconsciente, pois ambos são aspectos da vida. Apesar do confronto entre eles, a colaboração deve fazer parte desse combate, porque somente por meio da colaboração é possível a integração, e como conseqüência a consciência dilata-se, e isto leva à transformação do ser humano, que é o sentido da vida; a conquista do novo homem, do ser único. “É o velho jogo do martelo e da bigorna. O ferro que padece entre ambos é forjado num todo indestrutível, isto é, num individum” (9). 

O ser humano ao seguir adiante nesse curso da vida, ou seja, viver no mundo da consciência e no da inconsciência, experimentando e vivenciando todos os desafios, conscientizando-se cada vez mais daquilo que é, compreendendo sua transcendência, vive um processo de vida e morte, isto é “uma expansão do ser humano para além de si mesmo, uma morte de seu ser pessoal e um renascer para uma nova dimensão. [...] portanto, sem o sacrifício do homem como é atualmente não se pode alcançar o homem como ele sempre foi (e sempre será)” (13).

O autoconhecimento é uma condição crucial para que algo assim aconteça. É por meio dele que o indivíduo tem consciência do que está sacrificando. Sacrificar-se é doar-se, logo o ser humano carece de saber se o que está doando é realmente seu. Só assim terá a certeza de que está sendo honesto consigo. O ato de entregar-se inteiramente requer desinteresse, abdicar-se de reconhecimento pelo outro e desistir de qualquer pretensão egoísta. É estar no anonimato e ser solitário. “[...] quando tomo consciência e concordo que me dou, entrego-me sem reservas e não quero receber nenhuma paga em troca; então sacrifiquei realmente minha pretensão, isto é uma parte de mim. [...] um ato de doação [...] e, sob qualquer aspecto, um autossacrifício”. Esse proceder produz a integração do Si-mesmo e, ao mesmo tempo, ocorre a individuação; o eu torna-se mais livre, já que tomou consciência de suas pretensões egoísticas e se abdicou delas. O eu, ao renunciar às suas pretensões egoísticas, curva, também, a um poder maior que é o Si-mesmo. “[...] o Si-mesmo é aquilo que me leva a sacrificar e até mesmo me compele a oferecer o sacrifício (18).

Ao mesmo tempo em que o indivíduo vivencia o processo de autoconhecimento, compreende que essa conquista só será completa se colaborar com a sociedade em que vive. Sua participação na obra social deve ser por meio da produção de atos positivos. Necessita vivenciar seu legado, e torná-lo uma experiência íntima e própria e só a partir daí oferecê-lo à sociedade. Percebe com clareza que “não é a verdade do saber que nos falta, mas a verdade de experimentar” (16).

O sacrifício é um ato sagrado que significa oferecer, renunciar, dar algo de maneira consciente, de forma desinteressada. O sacrifício produz no inconsciente um processo de transformação; cujos conteúdos afloram, indiretamente, no consciente por meio das idéias e sentimentos, provocando a ampliação da consciência e a libertação do indivíduo (3).

A princípio tem-se a ideia de que o autossacrifício é uma perda, mas na realidade, aquele que o realiza, prova que é dono de si mesmo e, ao renunciar tem plena consciência do que está fazendo, pois entende que “ninguém pode dar o que não tem” (18). Ele torna-se humilde (8).

Se o indivíduo não exercitar o autossacrifício, é obrigado a pagar um preço muito alto. Fica subjugado às forças instintivas. “Seus deuses e demônios não desaparecem. [...] complicações de ordem psicológicas surgem, levando-o aos vícios, neuroses” (20). O indivíduo permanece na infância e na dependência “dos pais”, prejudicando seu corpo e sua alma. Age de maneira inconsciente, é conduzido por seus complexos, falta-lhe a liberdade e maturidade para conduzir seu próprio destino (3). Na ausência do sacrifício, o ser humano pode ser tomado pela “inflação psíquica”, considerando seu aquilo que não lhe pertence, torna-se um presunçoso (8). “Crê ter competência sem o esforço do trabalho; sabedoria sem tempo de vida, [...] prudência sem o esteio da responsabilidade” (17). Portanto, o indivíduo não se encontra consigo mesmo, nega sua essência; impossibilita a conquista de sua inteireza, se automutila (8). Conclui-se que o sacrifício é “condição inerente” ao processo de individuação. Esse processo exige reflexão de si mesmo, atitudes de renúncia, coragem, esforço, determinação e vontade; somente com o exercício do autossacrifício é que o indivíduo consegue realizá-lo (21).

SOCIEDADE BRASILEIRA ATUAL E SUA CULTURA

O ser humano pensa a realidade, se adapta à realidade, reproduzindo as coisas do cotidiano.  O pensamento é um dos recursos utilizados pelo indivíduo para sua adaptação ao meio ambiente, condição essencial para sua sobrevivência. O pensamento é estruturado pela linguagem, e tem como objetivo a comunicação. É através da linguagem que o ser humano atende ao seu instinto gregário e conquista o seu lugar no grupo. A necessidade de ser ouvido e de ser percebido é, também, acolhida pela linguagem, para a preservação da vida orgânica e psíquica do ser humano. Mesmo o maior dos gênios busca compreensão e reconhecimento daqueles que estão à sua volta. Ele “sucumbe à força do instinto gregário, à sua busca e ao se encontro, seu chamado se dirige irremediavelmente à tribo e precisa ser ouvido” (3).

A linguagem é um instrumento pelo qual a cultura se utiliza para conduzir o ser humano à adaptação, às normas e aos valores sociais. O indivíduo, o objeto da cultura, adere à adaptação de maneira sutil e sem resistência, pois existe nele, além da necessidade da natureza, também a da cultura; isto porque ele sente necessidade de se relacionar com os outros. Diante dessa realidade, é importante que o indivíduo não se perca no mundo externo, no mundo social. Não valorizar o seu mundo racional em detrimento do seu mundo irracional (22).

O esforço que o ser humano deve fazer para não excluir a possibilidade de viver a vida irracional é intenso, pois somente a razão tem valor na sociedade atual. Não é considerado que a “plenitude da vida tem normas e não as tem, é racional e irracional”. Sendo a razão o único aspecto do ser humano a ser valorizado pela sociedade, é o ser humano levado a considerar isso como verdade absoluta (4).

A sociedade dispõe de um recurso que lhe facilita por demais a sua dominação sobre o ser humano. Esse recurso é a tendência que o ser humano tem à imitação. Tendência essa extremamente perniciosa ao ser humano, enquanto que valiosa para a sociedade. Isto porque, sem a imitação não seria possível existir “organizações de massa, Estado e a ordem social. [...] a base da  ordem social não é a lei, mas a imitação” (8).

Viver de acordo com que dita a sociedade é mais fácil e simples, por isso identificar-se com ela parece ser prazeroso. Não precisa fazer nenhum esforço, basta deixar-se levar pela maré coletiva e viver na ilusão de que tudo transcorre de acordo com seus desejos. Nessa relação ocorre a “participation mystique”, ou seja, é uma relação baseada numa identidade inconsciente (9).

O comportamento do indivíduo como ser coletivo, cujas responsabilidades são delegadas às  instituições públicas e sociedade, incluindo aí a família, decorre por ter se tornado um ser estereotipado. É apenas mais um número. Sua individualidade é reprimida para dar espaço à estatística, isto é, o ser humano é transformado em unidade anônima. Assim ele absorve tudo o que lhe é imposto pelo ambiente externo, “passa a ser administrado, nutrido, vestido, formado, alojado e divertido em alojamentos próprios, organizados segundo a satisfação da massa”. Ao se perder de si mesmo, o indivíduo não consegue viver suas realidades interiores, sua essência. Ele mergulha na massa; só se sente seguro onde “muitos estão; o que muitos acreditam deve ser verdadeiro; o que muitos almejam deve ser digno de luta, necessário e, portanto, bom” (23).

A inconsciência toma conta do indivíduo, ele não percebe que, ao entregar-se às orientações da sociedade, está abdicando-se de si mesmo. Permite que o ser coletivo abafe o indivíduo, impedindo sua participação na obra humana, pois é o indivíduo e não o ser coletivo que constrói e realiza (24).

Resistir à psicologia da massa é um ato heróico, o indivíduo precisa ter conquistado uma consciência ampla, saber qual o objetivo de sua existência. Pois as dificuldades que deve enfrentar são imensas, porque “algo de nossa psique não é individual, mas povo, coletividade, humanidade”. Portanto o equilíbrio entre as particularidades individuais e as leis, cultura, valores, crenças que regem a sociedade faz do indivíduo um ser possuidor de uma consciência mais desenvolvida, proporcionando-lhe adequada adaptação à realidade. Respeitando-se e respeitando o outro, é capaz de fazer ponderações sábias a respeito de si e do mundo em que vive (10).

Entretanto, a maioria dos indivíduos não conquistou a maturidade suficiente para viver a vida em harmonia consigo e com a sociedade. Isto porque ninguém está imune à forte influência que o espírito da época exerce sobre o ser humano. Embora a consciência individual produza suas próprias convicções, todos os seres humanos são pequenas partes da massa, por isso são atingidos, “coloridos”, invadidos “pelo espírito que atravessa a massa”. São livres até o limite de suas consciências, além desse limite eles dobram-se ao poder do inconsciente do meio (13). As características do ser coletivo são a inconsciência, a dependência infantil, a incerteza, a incapacidade de fazer críticas construtivas e de ser facilmente manipulado (25).

Quanto mais frágil a consciência do ego, menos capacitado está o indivíduo de defender-se do “contágio geral”. O indivíduo não escolhe o seu caminho, mas o que a convenção social indica, determina. Embora as convenções sociais sejam uma necessidade para que a sociedade não se torne um caos; segui-las cegamente é renunciar a si mesmo e fugir de suas responsabilidades (14).

Os hábitos, os costumes, os valores coletivos tornam-se cada vez mais poderosos à medida que são repetidos e vivenciados pelos indivíduos. Isto significa que quanto mais reproduzidos, mais terão influência, não só sobre os indivíduos que vivem no presente, mas também sobre gerações futuras. Isto porque esses padrões de conduta produzem uma memória coletiva e os indivíduos que fazem parte desse determinado grupo e outros que farão, estão e estarão mergulhados nesse coletivo. A esse processo Sheldrake denominou de “Campo mórfico” (27). Sua atuação é realizada através da ressonância mórfica. As formas dos padrões de conduta convencionais ressoam sobre os indivíduos de maneira tal que são assimilados inconscientemente (28). A ressonância mórfica influencia os semelhantes, através do tempo e do espaço (29).

O campo mórfico não é inflexível, nem rígido. Ele pode sofrer mudanças em decorrência das experiências individuais. São os indivíduos, os fomentadores do campo mórfico. Portanto as sociedades são constituídas conforme sua história e herança cultural (28).

E a Sociedade Brasileira tem suas raízes no estado português, cujas características eram o patrimonialismo e a burocracia das instituições públicas (30). Além do patrimonialismo, Portugal deixa à Sociedade Brasileira outra característica cultural, que influenciou na sua tradição e nos seus valores, que é a exploração do meio ambiente, como condição apropriada para o enriquecimento próprio (31).

Como está nas raízes portuguesas a tradição do patrimonialismo, vem daí a dificuldade que o(a) brasileiro(a) tem de estabelecer limites entre a coisa pública e privada, modelando, inclusive as instituições públicas, religiosas, culturais e econômicas brasileiras (30). Portanto, é a partir desse procedimento que a corrupção no país se instalou, fazendo parte da vida do(a) brasileiro(a), transformando-se em um hábito corrente, cuja punição fica prejudicada (32).

No campo político é natural o exercício de favorecer com cargos públicos e demais privilégios àqueles que fazem parte das relações afetivas e de sangue dos mandatários (30).

Outra situação que corrobora com a manutenção do patrimonialismo, da corrupção, é o desinteresse dos eleitores brasileiros nas escolhas dos seus candidatos. Suas escolhas são feitas considerando suas relações pessoais e de reciprocidade com os candidatos (33).

Outra atitude adotada pelo(a) brasileiro(a) é o “jeitinho brasileiro”, que consiste na prática de obtenção daquilo que o indivíduo deseja, sem a tramitação do mesmo por meios legais, isto é, atendendo às leis, normas, regras, ordens. O “jeitinho brasileiro” proporciona uma harmoniosa resolução dos problemas individuais, por isso é considerado como um “valor social” (34).

Considera-se natural na Sociedade Brasileira, devido à tolerância à corrupção; no âmbito da política, o lema “rouba, mas faz”; pagar propina para conseguir algo; avançar no semáforo fechado porque está com pressa; estacionar em vaga de deficiente; vender e comprar produtos piratas (35).

Como o capitalismo faz parte da cultura brasileira, a “apropriação da mais valia” é responsável pelas atitudes antiéticas dos brasileiros. A “mais valia sustenta o pensamento de que a melhor forma de contribuir para o progresso social é a busca do benefício próprio, visto que o homem agindo pelo próprio interesse; beneficiaria a sociedade em um todo” (36). A consciência capitalista “molda a consciência coletiva, que se impõe sobre o individual” (35).

A valorização da “mais valia” afeta, inclusive, a educação. O preconceito contra pobres e negros está fincado na Sociedade Brasileira, representado pelos conceitos “vencedores e perdedores, aptos e inaptos”. Diante de tais preconceitos, a escola pública, para onde vão os estudantes pobres e negros, foi também marginalizada. Esse olhar não se detém apenas nos estudantes, é estendido às suas famílias, consideradas “desorganizadas” (37).

Outro aspecto que compõe a cultura brasileira é a idolatria ao corpo. A busca pela juventude é incessante. Juntamente com o aspecto cultural, a mídia e o clima brasileiro concorrem fortemente para que esse culto ao corpo seja reforçado, e os indivíduos vejam o corpo como uma vestimenta carregada de significados, possibilitando ascensão ao meio. Por ser a Sociedade Brasileira uma sociedade que reverencia a juventude, envelhecer no Brasil representa estar na contramão; é um sinal de insensatez, em especial para a mulher. A autoimagem positiva depende da correspondência dos padrões estéticos determinados pela cultura e pela mídia (38)

Os brasileiros apresentam um comportamento social baseado no que é determinado como “natural” pela sociedade; ignoram a necessidade de exercitar a ética. E para viver de modo ético, é preciso quebrar paradigmas, modelos, valores; voltar para o interesse comum, “ter uma conduta virtuosa, [...] uma vida harmoniosa em sociedade, na busca da felicidade, da liberdade e justiça” (39).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi exposto, percebe-se que a Psicologia Analítica tem como objetivo central o Processo de Individuação e, para tanto, Jung desenvolveu seus pressupostos, no sentido de colaborar com o ser humano na sua caminhada para o seu desenvolvimento e transformação. Para que o indivíduo entre no processo de individuação necessita de autorreflexão, autoconhecimento e atitudes maduras e construtivas. A autorreflexão, o autoconhecimento são fatores essenciais para que o indivíduo entre em contato consigo mesmo, conscientizando-se do que é, aceitando-se integral e verdadeiramente. É o momento de deixar a “máscara” cair e olhar-se de frente. E, então, enxergar os complexos que o dominam; o que esconde sua sombra; mas, também suas possibilidades e capacidades criativas. Entender que é luz e trevas. Assim sendo, sua consciência dilata-se e ele torna-se capaz de ser dono de si mesmo. O indivíduo saberá se é capaz de ser dono de si mesmo, de ter o controle sobre os seus instintos, desejos, em decorrência de suas atitudes e sentimentos conscientes.

É uma longa jornada a ser percorrida pelo indivíduo até alcançar a vitória tão almejada, isto é a conquista de si mesmo. É nesse processo que se verifica a importância do exercício do sacrifício para o seu desenvolvimento e transformação.

O indivíduo para individuar-se precisa fazer escolhas conscientes. As escolhas conscientes exigem ponderação, análise e reflexão. Terá de abandonar desejos, crenças, valores que muito lhe agradam, mas, que conscientemente, entende que em nada acrescentariam ao seu crescimento, à sua verdadeira vida. É uma luta solitária e dolorosa. Ele necessita de persistência, coerência, esforço, vontade e renúncia. Essas atitudes heróicas são necessárias, porque além de lutar consigo mesmo, é preciso enfrentar a sociedade à qual pertence. Enfrentar no sentido de não deixar-se levar pelas convenções sociais, pela cultura, tradições em que está mergulhado. Isto porque, o poder da sociedade sobre o indivíduo pode sucumbi-lo, impedi-lo de cumprir o seu destino, que é o encontro com sua essência divina e sua transformação.

Percebe-se que a Sociedade Brasileira conduz o(a) brasileiro(a) a viver de acordo com suas determinações sociais. Os estudos mostram que os valores, as crenças, os hábitos e tradições que fazem parte da sua cultura estão imiscuídos no modo de pensar e viver dos indivíduos.

As pessoas agem de maneira inconsciente, reproduzindo de forma natural, tudo o que está tacitamente acordado socialmente.

A indiferença, a inconsciência, a infantilidade vivenciadas pelos brasileiros perturbam em demasia o processo de individuação. Estão adormecidos.

Mediante esse comportamento pueril e irresponsável, o exercício do sacrifício fica prejudicado. Isto porque, ao sacrificar algo, o indivíduo tem de estar consciente daquilo que precisa abdicar. Ter a compreensão da necessidade de fazer escolhas conscientes. Tais atitudes exigem da pessoa responsabilidade, abnegação, compromisso consigo e com as pessoas que a rodeiam.

Por conseguinte, se não há o autossacrifício, é impossível a individuação. O autossacrifício é a condição essencial para que o ser humano caminhe para a sua transformação; e todo e qualquer ser humano pode realizá-lo. Se o indivíduo não o realiza, perde a oportunidade de despertar-se para a verdadeira vida, que é a liberdade e a felicidade. Liberdade, porque ele sabe o que lhe convém e não fica preso a nenhuma amarra. Felicidade, porque vive a sua essência e o encontro com o Si mesmo. Vive sua totalidade. Nesse estágio, a ética e o bem comum é a sua meta.

 

Maria do Carmo Neves

Especialista em Psicologia Analítica pelo Instituto Ânima de Estudos Junguianos

marianeves55@hotmail.com

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